segunda-feira, 16 de março de 2009

Espelho

A rotina é a mesma, pega-se um cristal quadrado contendo o número 07 e dirigi-se para a esquerda até o final do corredor. O espaço é apertado, mas o suficiente para provar a roupa que se quer comprar. As pessoas entram e saem daquele espaço e sempre esquecem algo. Não, não falo de objetos, falo delas mesmas. Não são capazes de olharem para si no espelho enorme que ali se encontra. E isso me angustia.
Por conta disso, fica uma certa tristeza no local, percebida por mim, quando vazio. No dia de hoje, por exemplo, foram tantas e diferentes as pessoas que passaram pelo provador 07, que quando entraram no final do dia para limpeza senti o ar pesado, carregado. Eu naquele espaço vazio desejava chorar. Acho que tem haver comigo, pois ao me olharem as pessoas vêem tudo, menos elas mesmas.
As madames, tão lindas, perambulam desocupadas pela loja a escolher roupas que não sei se um dia usarão todas, pois são tantas. As vejo quase todos os dias se dirigirem ao provador. Parece existir certo imã no provador 07, pois elas são atraídas sempre para ele. Para se darem dessa forma ao consumo só podem desviar o olhar dos próprios olhos no espelho, pois não agüentam ver naquele espaço apertado o vazio interno do qual fogem o tempo todo.
Algumas meninas, com ou sem suas mães, caminham no mesmo passo. Já aprenderam a ignorar o que deveriam ver e perceber o conjunto que força tornarem-se mulheres antes de serem crianças, como que vencidas por uma tendência que, como bonecas programadas, não questionam. Fazem jus aos seus ícones modernos de consumo como a barbie e tantas outras.
Os homens são mais discretos, parecem sempre atrasados, impacientes. Por essa condição se tornam práticos, buscam objetivamente o que querem. Dificilmente perambulam pelos corredores da loja. Mais raramente entram no provador, a menos que tenham alguma dúvida em relação a servir ou não o que estão comprando. Mas esses parecem mais distantes ainda de um olhar atento sobre si, como se seus olhos não tivessem tempo de olhar outra parte do corpo se não a que experimenta o objeto.
Encontro também moças formosas desfilando juventude, muitas não resistem ao espelho, quase todas. Elas demoram mais no provador, pois, não apenas experimentam seus objetos de consumo, mas reparam a maquiagem, identificam as primeiras rugas no rosto, arrumam o cabelo. Essas quase se vêm, quase se enxergam. Eu como intermediário vejo que o outro lado sorri para elas, mas frustro-me também, pois elas não se percebem. Apenas me iludo com seus quase encontros. Então, nesse local que poderia ser de encontros, evidenciam-se desencontros. Tais beldades olham atentamente seus olhos, mas não se olham nos olhos.
Fico ali aguardando meu único momento de glória, momento em que a simplicidade invade o espaço 07. Cabelos pretos, presos, uniforme marrom. Engraçado, sou eu quem a observa enquanto limpa-me sem me olhar, como que não precisasse, como que se conhecesse. Não que a vaidade não estivesse ali, mas ela não se perde ali.
A única que, se me olhar, sei que tornará significativa minha existência, para além de vidro e metal, pois percebe o que ninguém percebe, se percebe. E ao se perceber sorri para si mesma e assim sorri para mim. Como raramente vejo alguém sorrir no provador 07.