quarta-feira, 8 de abril de 2009

Impossibilidade

São 6 horas, o relógio desperta, João Otávio estica o braço esquerdo e certeiramente desliga o despertador. Os olhos cansados ganham o estímulo da necessidade e se abrem como que não quisessem, como se a alma permanecesse ainda dormindo em algum canto escuro do corpo.
Mais um dia começa, no mesmo ritmo será vivenciado, porém, João Otávio percebe sua angustia aumentar, como que não suportasse mais um dia.
Levanta fazendo um esforço tão grande quanto o dia pede, nenhuma energia a mais liberou, como quem quer conservar o resto de vida que ainda tem.
Dirigi-se ao banheiro, entra no Box e liga o chuveiro por alguns minutos. Algumas lágrimas se misturam com a água que insiste em cair no seu rosto. Nesse momento é tomado por pensamentos que o levam a constatar que a vida lhe escapa pelos dedos a cada dia.
Num relance, como que iluminado, percebeu o quanto poderia ter feito por sua vida e não fez. A quantidade de vida ainda não vivida dentro de si esvaindo-se sem experimentá-la. Lembrou-se da paixão na adolescência que perdera por não ter coragem de abrir o coração; do sonho frustrado de ser médico pela imposição de seu pai em tornar-se administrador para cuidar dos negócios da família; as férias não tirada; a viagem para Grécia sempre adiada; o curso de pintura em tela que a muito desejava fazer, mas nunca encontrou tempo. Enfim, a rotina mórbida de sua vida repetindo-se todos os dias, sem ver a realização de seus sonhos.
Ao desligar o chuveiro, enxugou-se, dirigiu-se ao espelho e viu seus olhos avermelhados, porém, sem lágrimas. Sua aparência passou a incomodar, não exatamente a ele, mas ao sujeito necessário para enfrentar o dia-a-dia. Fixou seus olhos no espelho e teve, por um instante, a sensação angustiante de ver sua vida se repetir eternamente, tal como sempre foi.
Diante de tal percepção, desabou em lágrimas contidas há muito tempo, decepando sua dor, derretendo-a. Sua agonia estava em perceber que ainda não tinha vivido tal como desejava. Mas também não queria a pobreza da vida que tinha, muito menos desejava que essa mesmice se eterniza-se. Pois assim, todas as suas paixões ficariam amortecidas dentro de si. Prostrado em lágrimas, permaneceu por alguns minutos.
Recomposto, foi ao seu escritório particular, num outro cômodo de sua casa, pegou a agenda e passou a folhear até encontrar o dia atual. Leu atentamente todas as sua tarefas. Mas a cada nova linha, subia um grito enraivecido, até então preso nos porões escuros de sua solitária vida moderna. Derrepente, num impulso insano, começou a rasgar e lançar para cima as páginas de sua agenda, como quem joga fora a própria vida. Rasgou e jogou para cima todas as páginas a começar pela página que marcava o dia de hoje. Assim o fez: a primeira se foi, a segunda, a terceira, continuou até que todas as páginas fossem arrancadas.
Tal comportamento produziu certo contentamento que a muito não sentia. Na verdade, desde a infância não tinha tal emoção. Por isso, considerou que experimentava uma estranha e antiga alegria, como se a comida estivesse a muito insossa, derrepende ganhou um tempero especial que a tornou deliciosa. Então, pela primeira vez, desde muito tempo, João Otávio riu um riso gostoso. Riu alto e forte. Depois fixou os olhos no relógio e assustado saiu às pressas para o trabalho, pois já eram 8 horas.

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