Sentado numa poltrona que tentava ser confortável, porém, desgastada pelo uso, torna-se desconfortante, espero o ônibus que me levará a Florianópolis para mais uma semana de estudos. No dia de hoje cheguei mais cedo do que de costume e inquieto com o horário, acostumado com a vida corrida, tendo de esperar o lento ponteiro chegar ao seu destino para eu poder chegar ao meu, me dei conta que meus olhos passaram a percorrer os ambientes distraidamente, até que por alguma razão que não tive consciência, passou a fixar-se nos diferentes rostos que ali estavam. Passei a observar os olhares distraídos e distantes da objetividade dos próprios olhares. Vez por outra, alguns desses olhares me encontrava, e nesse momento parecia que dávamos conta juntos de uma outra viagem que se ocupava nossos pensamentos desconexos de nossos olhos, a vida. Descobri no terminal rodoviário uma outra viagem, outros rumos, outros percursos.
As pessoas que ali se encontravam estavam com suas passagens compradas, e com elas a garantia de acesso a mais uma etapa das suas histórias. Pensei em minha própria vida, nas muitas e diferentes vezes que estive em terminais rodoviários, sendo muitos e diferentes os motivos. Lembrei-me de como me comportava, como era inacessível aos outros, fechado em minha própria viagem subjetiva, preocupado, unicamente com minhas questões particulares. Não era diferente dos que ali observava.
Engraçado, minha avó materna não gostava que ficássemos no terminal para vê-la partir, depois de uma visita que de vez em quando nos fazia. Na infância, detestava viajar para casa de meus avós para passar as férias, ou para retornar para minha casa, apesar de adorar as férias na casa deles. Quando eu estava chegando na cidade eu ficava atento, olhando ansioso pela janela, vendo se reconhecia alguma coisa nova na cidade. O ônibus ia entrando e eu atento em todos os detalhes. Adorava a janela. As pessoas iam se ajeitando e eu ali, vidrado, contando os postes da Avenida Centenário, até que surgia, implacável, o terminal rodoviário, avisando a chegada.
Quando adolescente percebi que o terminal rodoviário poderia ser um lugar triste ou feliz, dependendo das razões que me faziam estar ali. Lembrei-me que nele já fui receber pessoas queridas e me despedir de amores que se foram. Foi nele que me convencia de que a minha história, que em seu entorno ocorrera, acabaria no exato momento em que recolhesse meus pés do chão, na subida ao ônibus. As vezes com despedida calorosa, outras acompanhado de um, no máximo dois amigos, tantas outras, sozinho.
Depois de adulto retornei a Criciúma, cidade natal. Nela havia sido turista durante muitos anos. Agora, já adulto, morando na cidade, lembro-me que no retorno, quando pisei no terminal, não de férias, mas para morar, pensei nas mesmas e velhas situações e percebi que seriam outras aos meus olhos, pois já tinha um outro olhar, mais maduro, calejado, podendo lidar com idas e vindas.
Todos esses pensamentos que me bombardeavam, me fizeram retrucar: – por que somente agora penso nisso, pois tantas outras vezes estive num desses lugares e nunca havia me dado conta de tais acontecimentos? Tais pensamentos fizeram eu mudar a forma de ver a estrutura de concreto com cabines, plataformas, banheiros, bancas de revistas, lojas de presentes, lanchonetes, restaurantes e poltronas de espera. Poltronas como estas que estou sentado, gastas pelo uso, porém, cheias de histórias. Somente estruturas de concreto para suportar tantas tristezas e alegrias, tantos encontros e desencontros, tantos fins e tantos começos.
Tudo isso existindo por trás dos olhares, muitas vezes incompartilháveis, distantes e fugitivos, fixos num vazio que se abre para a subjetividade. Ricas experiências humanas sem tempo para uma prosa. Dentro de cada olhar há um livro inacessível aos outros olhos. E sobre essas histórias só posso imaginar.
Ao iniciar esse texto achei que poderia descrever os olhares que vi, mas hoje apenas pude me ver neles, rever minhas próprias experiências vivenciadas no terminal rodoviário, que não foram poucas.
São 8h, meu ônibus chegou, fico a imaginar se um dia tal texto for publicado e alguém que, nesse dia esteve por aqui, ler e relembrar de sua própria passagem, poderia até ter me encontrado. Por conta de meus pensamentos, uma nova forma de olhar o antigo terminal surgiu como lampejo de luz na obscuridade de minhas reflexões que até aqui me tem sido dolorosas. Um olhar mais maduro capaz de considerá-lo, não como um inicio ou fim, nem como separação de minha história, como se ela fosse fragmentada, dividida pelos locais que já morei, pelas viagens que já fiz, mas, ao contrário, como elo de ligação de uma única história, a minha vida. Como marco de minhas mudanças interiores, ficará sempre posto, implacável, objetivo e concreto, o terminal rodoviário de Criciúma.
Terminal Rodoviário de Criciúma, 13 de Agosto de 2009.