O nascer do sol é um fenômeno repetitivo. O hábito já o tornou tão comum que dele nada se espera a não ser estar ali no dia seguinte, como se tal movimento da terra fosse eternizado por uma física exata. Portanto, deveria ser esquecido e descartado como um momento nobre da vida, mas não é. Sempre que posso observo-o atentamente, desde seu aparecimento inicial até a luz ofuscar meus olhos. Quanta beleza em algo tão trivial.
Mas esse eterno retorno do astro luminoso provoca sentimentos que escapam a seqüência lógica de sua física exata. Mesmo sendo objetivamente repetitivo, torna-se internamente singular. Talvez pelo acréscimo de que um dia a mais foi vivido e, portanto, o observador já não é o mesmo. Mais do que isso, penso que depois do sono um novo espaço em branco se desponta para ser preenchido. Um novo vazio de conteúdo para ser escrito da mesma forma que ontem, ou de uma nova maneira.
As primeiras horas do dia que despontam no horizonte não fazem sentido para a humanidade adormecida. Levanta e não acorda, vê o dia já claro, já pronto para ser vivido. Na verdade, a própria vida já está pronta depois do sol indicar o caminho que apenas os que o vêem nascer percebem.
O homem perdeu sua subjetividade que o lança para o futuro vazio de conteúdo e cheio de possibilidades livres numa física exata, tal como a que move regularmente a terra em volta dela mesma para ser observada pelo sol. As possibilidades livres da vida estão restritas pela mecânica dos corpos, eternamente condicionadas ao mesmo movimento. O homem pode escapar da mecânica que o aprisiona quando encontrar na aurora a percepção que ontem não será como hoje e amanhã pode ser de muitas e diferentes formas.
O sol tem o poder de fazer a vida mudar o rumo, pois pode refletir o dia que se foi e propor mudanças no dia que vem. Mas é necessário se diferenciar dos corpos movidos e explicados pela física newtoniana, pois no corpo humano a vida ganha o acréscimo da alma que permite ao corpo a autonomia diante do dia que inicia.
A dimensão do tempo coloca-nos a observar os dias que se foram para poder apontar caminhos aos dias que ainda são possibilidades ao amanhecer.
Por fim, passam muitas coisas no instante de tempo em que o sol inicia seu aparecimento até ofuscar os olhos de quem o observa. Mas nada é mais valioso do que a oportunidade de viver mais um dia como único. E isso só é possível a nós outros, seres de corpo e alma, não só corpo, nem só alma. Se fossemos somente corpo, estaríamos restritos a lei da física exata; se fossemos somente alma, estaríamos restritos ao abstrato atemporal, eternamente o mesmo. Mas, somos corpo e alma, por isso, o tempo é a dimensão necessária para a alma emergir com liberdade na aurora de cada dia.
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