Acabei de ler Crime e Castigo de Dostoiévski, eram onze horas da manhã. Ao terminar o segundo e último capitulo do Epílogo, fui tomado de emoções tão mais fortes que as outras que, sem esforços, foram percebidas durante toda leitura. Com que profundidade toca Dostoiévski a alma humana culpada e espedaçada num golpe traiçoeiro da moral. Obviamente que em seu tempo, percebia como poucos o efeito devastador da moral que, como cordas, amaram nossos pensamentos sem dar conta de amarrar nossas paixões, porém, fixa sobre elas a idéia de que todas são vãs. E nosso caminhar sobre a terra fica assim, ideologicamente estruturado e existencialmente fragmentado. Sem perceber, por conta do temor, o homem não consegue enxergar que é o peso da estrutura moral que espedaça sua vida. E como gado ao matadouro, tenta juntar os pedaços sem saber que muitos deles se perderam definitivamente sobre o ideal moral.
Em especial uma cena pintada como arte através de suas palavras me chamou atenção. Raskólhnikov e Sônia dividindo sentimentos sem qualquer palavra, simplesmente porque não cabiam naquele momento. Dostoiévski descreve a cena num descampado perto do local dos trabalhos forçados da prisão em que se encontrava Raskólhnikov, conseguindo descrever os sentimentos sem colocá-los nas bocas dos seus personagens. Diante de tão esplendida descrição das emoções nuas daqueles seres lembrei-me de um momento assim de minha vida. Nele descobri que teria dois amigos para sempre.
Éramos adolescentes na cidade de Joinville, norte do estado de Santa Catarina, quando um de desses dois amigos perdeu a mãe para o câncer. Lembro-me de ter ouvido de sua irmã que não passara a noite em casa.
No outro dia fomos ao velório. Chegando lá, numa igreja evangélica em construção, na parte do térreo, numa sala pequena e desconfortável estava a mãe de meu amigo. Não haviam bancos adequados para acomodar os familiares e não encontramos ali o complemento daquele trio inseparável. Nos dirigimos à escada, na frente da igreja, na parte interna do prédio e o vimos ali sentado na escada ainda em construção, no cimento endurecido, mas sem piso. Escada empoeirada e suja ali estava nosso amigo, solitário e quieto. Sentamos ao seu lado e penso termos, naquele momento, atingido uma sincronia que pude sentir que até gostaríamos de falar alguma coisa para confortar-lhe , mas não foram encontradas as palavras, então como se não pudéssemos resistir começamos a chorar em silêncio. Os três amigos. E naquelas lágrimas dividimos nossa dor, nosso conforto, nosso amor, com o respeito que a ocasião exigia. Nenhuma palavra foi dita durante uns dez minutos até um deles, o que a mão fora morta, quebrar o silêncio com uma piadinha sem muito sentido, mas própria para a ocasião.
Sei que naquele dia um elo de amizade, respeito, fraternidade, honra e cumplicidade nos envolveu para sempre. Encontrei ali meus dois grandes amigos, os quais mesmo separados geofgraficamenbte, estarão unidos por um vinculo sem barreiras, a amizade.
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