FREUD E O SURGIMENTO DA PSICANÁLISE
Sigmound Freud pode ser considerado o pensador da cultura. Nascido em 06 de Maio de 1856, na Áustria, faleceu em 23 de Setembro de 1939. Filho de pais judeus: Jacob e Analia, Freud ficou conhecido no Brasil pela frase que muitas vezes é utilizada em tom de brincadeira: “Freud explica!”. Na semana que comemoramos o seu falecimento, se faz necessário um tributo ao pensador que mais influenciou a cultura ocidental. Suas mais famosas conclusões sobre o processo de saúde e doença mental deram origem a Psicanálise. Mas Freud não se reteve a escrever apenas sobre o processo de subjetivação, escreveu sobre cultura, sociedade, religião, etc. A pergunta que nos propomos a discutir hoje é: O pensamento freudiano ainda é atual? Não foram poucos os pensadores que desafiaram Freud, elaborando as mais diversas críticas ao seu pensamento. Porém, a teoria freudiana continua encontrando espaço no bojo da sociedade contemporânea. O que nos leva a pensar que Freud ainda não foi superado, que sua teoria ainda responde aos anseios e dramas humanos.
O desenvolvimento da Psicanálise está atrelado a Sigmund Freud, sendo ela a expressão de sua obra. Desde menino demonstrou grande capacidade intelectual. Seu pai era rígido e autoritário, enquanto sua mãe mostrava-se amável e carinhosa. A relação estabelecida com seus pais influenciou sua teoria do Complexo de Édipo. Foi aluno brilhante em Liceu, graduando-se com 17 anos. Tinha grande interesse em estudar relações humanas, civilização, cultura e história militar. Estudou Medicina na Universidade de Viena a partir de 1873. Por querer realizar estudos em outras áreas, fez cinco cursos de filosofia com Brentano. Suas primeiras experiências foram realizadas no campo da biologia, pesquisando o testículo de quatrocentas enguias macho, também pesquisou a medula espinhal de peixes. Realizou ainda experiências com cocaína, usando-a. Chegou a conclusão de que a droga agia de forma positiva sobre a depressão. Nessas experiências Freud ofereceu cocaína a parentes e amigos, acabou sendo responsabilizado por ter disseminado a droga na sociedade, fama que não conseguiu se afastar durante toda a vida. Continuou usando cocaína por aproximadamente 10 anos.
A amizade de Freud com o médico Josej Breuer contribuiu significativamente com o surgimento da Psicanálise. Freud recebeu de Breuer, não apenas conselhos, amizade, mas também dinheiro emprestado. Breuer e Freud discutiam os pacientes, dentre eles Ana O., caso fundamental para o desenvolvimento da Psicanálise. Breuer atendeu Ana O. durante um ano, todos os dias. Dessas consultas concluiu e compartilhou com Freud o fato de usar a hipnose para Ana O. falar sobre suas angustias, percebendo que ao relembrá-las podia diminuir suas aflições ou mesmo esquecê-las. O rompimento da amizade entre ambos se deu diante da compreensão de Freud sobre a dimensão sexual como sendo a única responsável pelos desvios da personalidade, enquanto Breuer entendia como somente uma das causas. Mas foram as pesquisas e discussões que compartilharam que deu origem a Psicanálise.
Freud estabeleceu o chão de onde a psicanálise partiu, compreendendo os fenômenos subjetivos a partir da libido, energia que dá origem a personalidade, a partir da sexualidade. Porém, percebeu diferença entre a dimensão biológica da sexualidade e sua dimensão psíquica, compreendendo que existe algo da sexualidade que não é biológico, portanto, não está relacionado com a reprodução. Nesse sentido, a Psicanálise colocou-se na contramão da ciência positivista, pois estabeleceu um novo princípio, a energia libidinal, instintiva, portanto, inconsciente. A personalidade passou a ser entendida por Freud como possível de se desenvolver a partir do momento em que a criança consegue fantasiar entre o desejo e a satisfação. Dessa forma, a razão não era o princípio para entender a subjetividade e sim o desejo. Partindo dele emerge a fantasia e com ela a personalidade.
OS FUNDAMENTOS DA PERSONALIDADE SEGUNDO FREUD
Antes de discorrer sobre a Psicanálise, devo esclarecer alguns pontos fundamentais, pois a partir da compreensão desses conceitos poderemos compreender melhor o pensamento freudiano. Primeiramente, a Psicanálise entende a estrutura psíquica a partir de duas dimensões: inconsciente, contendo conteúdos reprimidos pela consciência que pode levar a desestrutura da personalidade, acessível nos sonhos; consciência, a estrutura racional, lógica, contendo os pensamentos organizados. Secundariamente, Freud entende que existe um dinamismo de componentes que existem na relação do inconsciente com a consciência, chamados: ID, EGO e SUPER EGO. O ID é a estrutura mais básica da personalidade, representando a libido, na sua maior parte inconsciente. É a partir do ID que a personalidade se forma. EGO está relacionado com a consciência, o Eu de cada um de nós. O SUPER-EGO está relacionado com a moral e se estrutura a partir da cultura e relações sociais de poder.
Quando Freud tentou mostrar que as pulsões da libido ficam numa das estruturas do aparelho psíquico chamado ID, sendo sua maior parte inconsciente, sofreu objeções dos cientistas do século XIX, que se mostraram completamente contrários as suas conclusões.
Assim, Freud fundamentou sua hipótese, da qual não se desviou, apontando a existência de processos mentais inconscientes, os quais apenas deixariam de ser observados, caso algum cientista conseguisse provar que os mesmos não existissem.
Freud classificou as investidas da energia libidinal como sendo de duas formas e em dois momentos distintos. A primeira é completamente instintiva, visa somente à necessidade, nela não há nenhum mecanismo que torna possível à construção da subjetividade. A segunda aparece na transformação da primeira, dando origem à pulsão, não sendo mais apenas necessidade, mas desejo, e a partir do desejo funda-se a estrutura psíquica. O processo dessa construção acontece na medida em que as pulsões inconscientes repetem-se de tal forma que a energia libidinal da psique é vinculada à representação mental, direcionando o impulso para um fim predeterminado, numa catexia estruturante do Ego.
Aqui ainda pode-se observar uma proposta da psicanálise que tenta conciliar-se com a neurociência positivista do final do século XIX. A relação da Psicanálise com a Neurociência existe até os dias atuais. Muitas vezes evidenciam conflitos, outras, convergem conceitos. A discussão do século XIX está no fato de que no entendimento de que o Ego não comporta toda a estrutura da subjetividade, mas apenas uma parte, pois as investidas das pulsões, na maioria das vezes, não se tornam conscientes. Assim, uma quantidade significativa de conteúdo psíquico fica no inconsciente, objeto de estudo da psicanálise.
Na primeira publicação da Enciclopédia Britânica sobre a Psicanálise, Freud comenta o surgimento no contexto científico, explanando-a de forma bastante objetiva, mostrando em que consistia a abordagem psicanalítica. O artigo foi publicado na XI Edição da Encyclopedia Britannica, após a morte de Freud, escrito pelo próprio Freud, porém, modificado o estilo, cuja narração costumeira na primeira pessoa do singular foi substituída por uma narração de comentador, exigida pelo caráter da obra. Algumas considerações devem ser colocadas sobre o texto de Freud, pois segundo a Psicanalista Débora Búrigo1, o texto foi escrito no inicio das reflexões de Freud e abandonado por ele posteriormente, pois percebeu que a psicanálise não poderia coabitar com a ciência positivista. O que deve ser levado em consideração, pois demonstra que na sua evolução, a psicanálise modificou sua visão inicial, porém, o texto pode nos mostrar sua origem, seus conceitos mais básicos e iniciais.
CONCEITOS BÁSICOS DA PSICANÁLISE ENQUANTO PSICOTERAPIA
Freud, inicialmente, considerou que o princípio do prazer submete-se ao princípio da realidade, ou seja, a forma possível de satisfação do desejo, podendo até adiá-lo. A observação do princípio da realidade proposto por Freud, provoca a transferência (Se o prazer não pode ser vivenciado livremente, quando a realidade mostra-se como obstáculo à satisfação, o desejo tem que ser transferido de um objeto a outro), utilizado como mecanismo do processo psicoterapêutico. A transferência do desejo original por outro mais adequado à realidade, da origem a mais famosa dinâmica da estruturação da personalidade observada por Freud, o Complexo de Édipo (Tirado da mitologia grega antiga, em que Édipo mata seu pai sem saber e casa-se com sua mãe também sem saber. Utilizado por Freud para designar a relação do amor do menino com sua mãe). O desejo inicial da criança pela mãe é substituído, na medida em que estrutura-se o Ego, bloqueando as pulsões de desejo constituintes da subjetividade. A criança, ao perceber a impossibilidade da satisfação em relação a pessoa desejada, por conta da moral, transfere o desejo a outra pessoa. Um exemplo é a transferência do amor pela mão para o amor por outra mulher que lhe dê amparo e carinho, pois a transferência evidencia-se quando readequa-se o desejo original, substituindo a forma como o desejo é realizado. Podendo ser encontrada na relação terapêutica, necessariamente como parte indispensável do processo de cura.
A psicanálise entende que o desejo inicial, quando não encontra forma de ser realizado, passa a ser sublimado até poder moldar o desejo para tornar a transferência viabilizada, levando em consideração o princípio de realidade, tornando-se uma psicoterapia que observa esse processo de sublimação e transferência do desejo inicial (Édipo). Encontrando nessa organização do psiquismo e do organismo biológico uma homeostase necessária ao equilíbrio de todas as dimensões do humano, físicas, orgânicas e psíquicas. Nesse sentido, a psicanálise tem como finalidade devolver o equilíbrio que julga ser necessário ao psiquismo, sem o qual pode-se adoecer. Não tendo outra finalidade se não devolver a paz e o equilíbrio interior, curando os desequilíbrios, evidenciados pelo sofrimento dos sujeitos mediante o fluxo de energia libidinal inadequada.
INFLUÊNCIAS DO PENSAMENTO FREUDIANO NA CONTEMPORANEIDADE
Em Setembro de 2008, faz 69 anos da morte do homem que mais influenciou o pensamento ocidental. É difícil encontrar alguém que tenha seu pensamento tão vivo quando Freud. Reich e Jung, apesar das discordâncias, tiveram grande influência do pensamento freudiano. Reich se dedicou a linguagem corporal da personalidade, entendendo a sexualidade como ponto fundamental para compreensão da personalidade. Foi o criador de uma máquina para medir a energia orgástica. Chegou a ser o diretor do Seminário de Terapia Psicanalítica da Sociedade Psicanalítica de Viena entre 1924 a 1930. Mas Reich foi expulso do circulo intelectual psicanalítico por tornar-se comunista e expulso do partido comunista por ser psicanalista. A partir desse momento se distanciou dos psicanalistas e desenvolveu a psicologia corporal, porém de base psicanalítica. Jung, distanciou-se de Reich, ampliando a compreensão de Freud sobre o inconsciente. Sendo que para Freud o inconsciente era encarado como tão somente pessoal, enquanto Jung compreendeu-o como sendo também coletivo, portanto cultural. Desenvolvendo, a partir dessas reflexões uma compreensão da psique numa relação com arquétipos, símbolos e simbologias presentes no inconsciente coletivo, manifestas principalmente nos sonhos. Mesmo discordando do pensamento freudiano, não há dúvidas da importância que Freud teve para Jung. Importância reconhecida pelo próprio Jung na maturidade. Lacan foi a maior expressão da resistência ao reducionismo médico-psiquiátrico da psicanálise no pós-guerra. Para Lacan a Psicanálise não poderia ser reduzida à terapia, mas teria de estar nas discussões filosóficas, na literatura e na busca pela compreensão da sociedade.
A relação da psicanálise com a psiquiatria, deu origem a psicopatologia, enquanto nomenclatura e conceituação. A própria psicoterapia se estruturou a partir das conclusões de Freud. Após a Interpretação dos Sonhos, em 1890, a Psicanálise se espalhou rapidamente. Em 1907 foi fundada a Associação Vienense de Psicanálise e a Sociedade Freud em Zurique. Em menos de seis anos surgiram sociedades psicanalíticas em: Berlim, Budapeste, Londres, Nova York e Boston. Até 1926 foram criadas sociedades psicanalistas na Holanda, Suíça, Russa, Itália e Paris.
O movimento intelectual surrealista da década de 20 e 30 torna-se espaço de divulgação do pensamento freudiano, enquanto Gregory Zilborg divulgava os conceitos psicanalíticos de uma forma mais popular nos EUA. A partir desse momento a Psicanálise podia ser percebida nos romances e filmes americanos.
No Brasil, o pioneiro na divulgação do pensamento psicanalítico foi o médico psiquiátrico Juliano Moreira, professor da Universidade de Medicina da Bahia. Discutia conceitos da psicanálise em suas aulas desde 1899. Em 1929 foi fundada a Sociedade Brasileira de Psicanálise, cujo presidente escolhido foi Juliano Moreira. A mesma sociedade fundada em São Paulo teve como presidente o médico Franco da Rocha, fundador do Hospital Juqueri.
Durval Marcondes foi um grande divulgador do pensamento psicanalítico em São Paulo, concentrando esforços para a formação de psicanalistas no Brasil. Trouxe Adelheid Koch, primeiro psicanalista didático a atuar em solo brasileiro. Julio Porto-Carrero, foi um grande divulgador da teoria e o primeiro brasileiro a atuar como psicanalista.
O Ciclo Psicanalítico da Guanabara, mais tarde chamado de Circo Psicanalítico do Rio de Janeiro iniciou sua primeira turma em 1972, também orientou psicólogos na abordagem psicanalítica. Desde então a formação psicanalítica não para de ganhar novos terapeutas.
Na atualidade a formação psicanalítica está espalhada pelo país, nos institutos de formação e também é oferecida nas universidades, dentro dos cursos de psicologia. E sabemos que a prática continua chamando adeptos em todo Brasil. Significando que a sociedade ainda pode ser explicada pela teoria freudiana. Apesar da tentativa de superá-lo, Freud continua vivo entre nós. O que se pode dizer é que outras teorias emergiram e ganharam espaço por serem consideradas atuais e explicadoras dos fenômenos psíquicos das novas condições humanas no planeta. Mas isso não significa a superação total da psicanálise. Teremos de conviver com Freud ainda durante um bom tempo.
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